
A sua “casa” é o jazz, mas recusa encerrar-se lá dentro. Na sua música podemos encontrar um pouco de quase tudo, porque não fecha as portas a quase nada. Mário Laginha procura em vários lugares o material para construir o seu próprio universo musical. Gosta de ir buscar influências, ideias, respirações em outras áreas. Muito mais do que misturas, há assimilação. O que se pode ouvir, no final, é... música. A sua carreira de intérprete tem sido onstruída ao lado de outros músicos, de uma forma constante e intensa. E com raras excepções: o primeiro disco a solo, Canções e Fugas, é editado em 2006, e resulta de uma ideia que começou a persegui-lo há mais de dez anos. Mário Laginha usa com virtuosismo e rigor a técnica clássica para compor seis fugas, cada uma antecedida por uma canção na mesma tonalidade, seguindo o esquema dos prelúdios e fugas de Bach. Não há revivalismos: as suas composições têm uma sonoridade contemporânea, muito inspirada, apesar de notoriamente complexa. Para Mário Laginha, fazer música é sobretudo um acto de partilha. E tem-no feito com personalidades musicais fortes. O duo privilegiado com a cantora Maria João resulta num dos casos mais consistentes e originais da actual música portuguesa. Mais uma vez, o jazz funciona aqui como uma rede, mas sem amarras: há ecos africanos, brasileiros, indianos, da música tradicional portuguesa, pop, rock, clássico...
Mas a sua música não é uma síntese de influências. Estas funcionam apenas como ferramentas para compor e interpretar, revelando-se num estilo muito próprio. Ouçam-se os discos Cor (1998), centrado nas músicas do Índico, e
Chorinho Feliz (2000), sobre os 500 anos do achamento do Brasil, ambos encomendados pela Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses. O primeiro conta com a participação de Wolfgang Muthspiel e Trilok Gurtu, o segundo com Gilberto Gil, Lenine, Armando Marçal, Toninho Ferragutti, Nico Assumpção e o percussionista norueguês Helge Norbakken. Entre um disco e outro, Mário Laginha compôs e arranjou Lobos, Raposas e Coiotes (1999) para a Orquestra Filarmónica de Hannover, dirigida pelo Maestro Arild Remmereitt. A parceria de Mário Laginha com Maria João resultou numa dezena de discos. Gravaram o álbum Sol (1991), integrados no grupo Cal Viva; Danças (1993), o único apenas de voz e piano; Fábula (1996), com a participação de Ralph Towner, Manu Katché, Dino Saluzzi, Kai Eckhardt e Ricardo Rocha.
Undercovers (2002) é mais uma prova da “contaminação” musical do duo: um disco de versões que junta canções de autores como Sting, Björk, Caetano Veloso, U2, Tom Waits... Outra é Tralha (2004), um regresso aos originais, com uma sonoridade mais electrónica. Ambos contam com a participação de Mário Delgado, Alexandre Frazão, Yuri Daniel, Miguel Ferreira e Helge Norbakken. Para além dos álbuns, têm integrado alguns dos mais importantes festivais de Jazz do mundo: Festival de Jazz de Montreux, Festival do Mar do Norte, Festival de Jazz de San Sebastian, Festival de Jazz de Montreal...
Com Bernardo Sassetti é partilhado o mesmo instrumento: uma formação pouco frequente na área do jazz, que ganha com o facto de ambos construírem um universo único, à volta das suas próprias composições.
Com muito em comum, e também com acentuadas diferenças, conseguem um equilíbrio invulgar, de uma evidente cumplicidade. Juntaram-se pela primeira vez em 1998 e gravaram o disco Mário Laginha e Bernardo Sassetti em 2003. A originalidade musical do duo voltou a revelar-se em Grândolas (2004), uma encomenda para assinalar os 30 anos do 25 de Abril, com versões de temas ligados à revolução. Para além de dezenas de concertos no país e no estrangeiro, os dois foram convidados a tocar com a Sinfonieta de Lisboa, conduzida pelo maestro Vasco Pearce de Azevedo, e Orquestra Clássica da Madeira, dirigida pelo maestro Rui Massena.
Criou o Trio de Mário Laginha com o contrabaixista Bernardo Moreira e o baterista Alexandre Frazão. Esta é talvez a formação que mais próxima está do jazz, ainda que não com um estilo convencional. Outro pianista entrou para ficar no seu mundo musical. Mas desta vez numa zona onde se move com algumas fronteiras e sem improvisos. Pedro Burmester tem sido a sua principal ponte com a música clássica, desde finais dos anos 80. Juntos gravaram o disco Duetos (1994), e têm feito vários concertos ao vivo. Mário Laginha leva a sua bagagem do jazz para um repertório do século XX – Maurice Ravel, Samuel Barber, Aaron Copland – oferecendo-lhe um forte sentido rítmico. Sem improvisações, porque também sabe ser fiel à partitura.
A sua sólida formação clássica – fez o Curso Superior de Piano do Conservatório Nacional (terminado com a classificação máxima), onde estudou com Jorge Moyano e Carla Seixas – não se cristalizou num estilo pianístico. Deu-lhe ferramentas para evoluir como intérprete e compositor, desenvolvendo uma identidade própria. É isso que lhe tem permitido escrever para formações tão diversas como a Big Band da Rádio de Hamburgo, a Orquestra Metropolitana de Lisboa, a Orquestra Filarmónica de Hannover, o Remix Ensemble, o Drumming Grupo de Percussão e a Orquestra Nacional do Porto. Em 2001 apresentou em estreia mundial a obra para orquestra “Mãos na Pedra Olhos no Céu”, uma encomenda da Porto 2001 Capital Europeia da Cultura, apresentada na cerimónia de abertura oficial. Em 2005 estreou “Até aos Ossos”, peça escrita para o Remix Ensemble e encomendada pela Casa da Música. Com uma grande criatividade, enorme solidez rítmica e uma imensa riqueza harmónica e melódica, Mário Laginha tem estado ao lado, no palco ou em estúdio, de músicos excepcionais, como Wolfgang Muthspiel, Trilok Gurtu, Gilberto Gil, Lenine, Armando Marçal, Ralph Towner, Manu Katché, Dino Saluzzi, Kai Eckhardt, Julian Argüelles, Steve Argüelles, Howard Johnson, Django Bates.

Foi distinguido em 1990 com os prémios de melhor composição, melhor instrumentista e melhor grupo (referente ao seu quarteto) pelo Concurso de Jazz e Música Improvisada, promovido pela Secretaria de Estado da Juventude.
Compôs também para algumas curtas-metragens e para o filme “Passagem por Lisboa”, de Eduardo Geada. E escreveu música para teatro: “Estudo para Ricardo III / Um Ensaio sobre o Poder” e Berenice (ambos com encenação de Carlos Pimenta e apresentados no Teatro Nacional D. Maria II).