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quarta-feira, 23 de setembro de 2009

A história por detrás de "Water Music" de Händel


Antes da Water Music (HWV 348/349/350) de Händel ser apresentada no rio Tamisa em 18 de Julho de 1717, na realidade já existia uma tradição de utilização de música em diversas ocasiões no rio. O Tamisa era um elemento fulcral para a cidade de Londres, sendo uma via essencial de transporte tanto de mercadorias como de pessoas. Uma das cerimónias mais importantes, realizando-se desde o séc. XV que utilizava o rio como palco, era a procissão anual que fazia parte das festividades de inauguração do mandato do Lord Mayor de Londres. Além desta cerimónia, os desfiles aquáticos eram realizados para celebrações de cariz político, como coroações, aniversários reais e recepção de embaixadores e outros monarcas. 


A música era parte integrante destas cerimónias, sendo dirigida não só aos participantes mas também aos espectadores que se encontravam ao longo do rio, sendo essencialmente de carácter instrumental, utilizando instrumentos de percussão e sopros (trompetes, sacabuxas, cornetos, oboés, flautas), de certeza devido às possibilidades sonoras desses instrumentos em eventos ao ar livre, o que explica o uso mais esporádico de instrumentos de cordas. 


O Aqua Triumphalis, sendo um dos eventos reais mais importante no séc. XVII que utilizou o Tamisa, realizou-se em 23 Agosto de 1662 para celebrar a primeira ida da rainha Catarina de Bragança a Londres. Devido ao Inverno rigoroso de 1683-4, provocando o congelamento do Tamisa, houve a possibilidade de se fazer uma feira literalmente no meio do rio, havendo até um espaço específico para bailes e música. A Water Music de Händel insere-se assim neste contexto de eventos públicos recorrentes no rio Tamisa.


Existe um mito em relação à origem desta obra. Esse mito, desenvolvido pelos primeiros biógrafos de Händel e perpetuado ainda hoje, afirma que a encomenda da Water Music tinha sido feita por um nobre da corte do primeiro rei em Inglaterra da casa de Hanover, Jorge I, para efeitos de reconciliação entre o rei e o compositor. Este facto sucedeu devido ao o rei ter ficado bastante desagradado com Händel por este ter «trocado» o posto de maestro de capela na cidade alemã em favor da capital inglesa antes da subida ao trono de Jorge I. Na realidade, na altura da realização da Water Music, as relações entre ambos estavam já normalizadas e o rei demonstrava ter em grande apreço a música de Händel, de tal forma que nesse dia mandou repetir por duas vezes a obra. A barca onde estavam os instrumentistas encontrava-se ao lado da barca real e, segundo um relato, tinha 50 músicos no total, entre trompetes, trompas, oboés, fagotes, flautas e cordas. 


Pela análise da publicação em 1733 desta peça, parece que ela foi composta por uma amálgama de andamentos utilizados em diferentes ocasiões, onde se pode definir 3 suites, sendo duas delas (a suite em Fá maior e Ré maior) passíveis de serem as tocadas durante o evento que decorreu no Tamisa em 1717. 


A obra seguinte de Händel, também uma suite, Musick for the Royal Fireworks, foi concebida para a celebração, por ordem real, do tratado de paz assinado em Aix-la-Chapelle (Outubro de 1848) que colocou fim à Guerra da Sucessão Austríaca. Aliás, a música de Händel já tinha sido utilizada anteriormente para diversos espectáculos com fogo-de-artifício. Durante os festejos, a serem realizados no Green Park a 27 de Abril de 1849,  haveria além da música, a realização de um impressionante espectáculo de fogo-de-artifício. Händel dirigiu um ensaio geral uns dias antes nos Vauxhall Gardens (onde tinha sido ignaurada uma estátua  com o seu retrato em 1738, de Louis-François Roubillac), ensaio esse assistido por 12000(!) pessoas, provocando um engarrafamento de 3 horas na Ponte de Londres. 


No dia do espectáculo colocaram-se pequenas peças de artilharia por baixo do palco onde estariam os músicos, com o propósito de serem disparadas durante o concerto. Devido à humidade intensa que se sentiu nesse dia, o prometido lançamento grandioso do fogo-de-artifício saldou-se num fiasco completo. Resultado humilhante para o rei, sendo a música de Händel aliás, o que salvou o restante do seu prestígio. Na realidade, o rei tinha consciência desse facto e, quando Händel deu um concerto de beneficiência com a música do Royal Fireworks no mês seguinte, o soberano contribuiu com uma soma considerável. Nestas duas peças Händel demonstra a sua perícia na composição de música para eventos realizados ao ar livre, um esquema harmónico adequado, melodias simples mas com um âmbito  alargado e a utilização generosa de instrumentos de sopro (tanto madeiras como metais) e, mais ocasionalmente, de percussão.


A utilização da suite nas peças orquestrais era na altura uma característica recorrente. Este género musical tinha como função o entretenimento do público, sendo o seu nível artístico determinado pelas regras da etiqueta e gosto da classe aristocrática. Em França as suites eram realizadas para serem incorporadas numa coreografia. No espaço germânico, as suites eram criadas principalmente para a sua execução num concerto, em que o seu carácter coreográfico era quase inexistente, estando o carácter das danças altamente estilizado. Esta função mais próxima de um concerto público levou à inclusão gradual de andamentos na suite, sem serem de dança, a abertura deixou de ser apenas uma introdução e gradualmente autonomizou-se da suite, e introduziu-se a utilização de instrumentos solistas em estilo concertante.  Podemos enquadrar então neste último tipo de suite não só as peças de Händel, mas também a obra seguinte, a Wassermusik «Hamburger Ebb und Flut’» de Telemann. As ligações entre Händel e Telemann não se restringem a este facto. Na realidade, Händel conhecia muito bem a música de Telemann, sendo um dos subscritores da Musique de table deste último. Na realidade Telemann era um compositor que gozava de alguma projecção internacional, sendo conhecido na maioria dos países europeus.


 A 10 de Julho de 1721 Telemann tornou-se Kantor da Johanneum Lateinschule e director musical das 5 principais igrejas de Hamburgo. Este período tornou-se o mais prolífico da sua carreira, visto que tinha de fornecer música para diversas finalidades na cidade alemã, tanto de carácter sacro como para cerimónias seculares. Será nesta última situação que ele compôs a Wassermusik. Em 1722 ele assumiu a direcção do teatro Gänsemarktoper, onde dirigiu não só as suas óperas mas também algumas de Händel, entre outros compositores.


Esta suite foi realizada pela primeira vez a 6 de Agosto de 1723, para comemorar a Festa do Almirantado de Hamburgo. Cada uma das danças tem um título em que refere elementos mitológicos marítimos, agrupando assim de forma curiosa a mitologia com a metereologia (na Giga o movimento lembra a sucessão das marés). O último andamento (Canarie) é uma canção de marinheiros, talvez sugerida por uma canção real, visto que o compositor admite a influência da música tradicional em algumas das suas obras. Esta suite bastante pictórica utiliza uma grande orquestra de cordas, continuo e sopros (metais e madeiras) e os contrastes utilizados demonstram a sua capacidade imaginativa de orquestração. 
Texto de autoria de Rui Araújo.

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